sábado, 14 de julho de 2007

Bichinho de estimação


Essa história aconteceu no outono de 1965, em Bom Repouso, cidade do sul de Minas Gerais. Os moradores, na maioria, se dedicavam ao cultivo de batatas.Francisco da Silva, “Seu Chico”, homem trabalhador, dedicado pai e marido, progredia a cada dia e já possuía sua casa própria. A esposa, Dona Iolanda, se dividia entre a casa, os três filhos e a plantação da família.Bentinho tinha 17 anos e era mão de obra indispensável para Seu Chico. Rafael 14 anos, aprendia o oficio com grande custo, pois tinha o sonho de ser jogador de futebol. Caio tinha 4 anos e era companheiro fiel da mãe, ainda não tinha idade suficiente para acompanhar os homens na lida. A família possuia alguns animais para o sustento da casa. Criavam galinhas, patos e tinham uma vaquinha.

Caio adorava animais e diariamente pedia à mãe para arranjar um cãozinho, ao que a mulher respondia:

_ Deus me livre! Só faltava essa! Além de cuidar de vocês e da criação, agora quer que eu cuide de um cão? Ele soltaria pêlo, furaria as meias e sujaria o quintal... Mil desculpas, ela sempre arrumava. Não queria nem falar no assunto. Seu Chico não dava palpites, não queria contrariar a esposa.

Alguns meses se passaram e um dia, durante o jantar, Dona Iolanda comentou:

_ Chico, nunca mais ouvi o Caio falar do tal cachorro. Será que finalmente ele esqueceu?

_ Ora mulher. Se não é da sua concordância tê um cão, por que Diabo se alembrô disso agora? Quer que ele volte a querer um? Sem demora, a mulher se calou. Caio sentou-se à mesa e perguntou:

_ Mãe? Toda criança precisa de leite pra crescer né? Os bichos também?

_ Claro! Os filhotes mamam na mãe até crescerem. Respondeu Dona Iolanda.

_ E os filhotes que não tem mãe?

_ Ora. Esses contam com a caridade dos homens pra beberem leite. Se não morrem.

_ Quer dizer que devemos ser caridosos com os bichos que achamos sozinhos?

_ Devemos ser caridosos sim. Mas, agora coma, se não a comida esfria.E no dia seguinte:

_ Um litro de leite cedo, um litro de tarde, outro de noite. Isso é demais. Acho melhor levar o Caio no Doutor. Deve ser doença.

_ Ora mulher. Para de impricá. Se ele num come ocê imprica, se ele come ocê imprica. Nunca tá bom procê?A mulher se calou, envergonhada. No fundo sabia que o marido tinha razão. Pegou o milho e saiu para tratar as galinhas. Não deu dez passos e lembrou que deixara o fogo aceso. Voltou e deparou com Caio saindo às pressas com a jarra de leite nas mãos.

_ Caio! Onde você pensa que vai com esse leite? Lugar de comer é na cozinha. Você sabe que não gosto que coma por aí. As mãos podem estar sujas.

_ Ora mamãe... Eu ia beber lá no jequitibá... ia dar um pouquinho pro meu amiguinho também. Disse o menino todo atrapalhado.

_ Que amigo é esse? Ora, ora, Caio. Eu já disse que não quero cachorro por aqui.

_ Não é cachorro mamãe. Juro por Deus! É um bichinho muito bonito que tá sozinho. O menino correu para dentro da casa.

_ Ora mulher! De novo impricando com o menino... Deve de sê um daqueles pintinho. Tem pra mais de dúzia deles por aí...O marido, que ouvira a conversa, veio socorrer o filho.

Um dia, depois de tratar as galinhas, Dona Iolanda escutou uma calorosa discussão na cozinha e correu ver o que era. Caio e Rafael estavam aos berros.

_ Rafaél, Caio? O que houve? Caio ficou pálido e Rafael disse:

_ Mãe. Fui no rastro do Caio pra ver o tal animal e olha o que ele fez. Rafael estava com a roupa toda molhada de leite.

_ Nossa Senhora! Que você fez menino? Por que derramou leite no seu irmão? Caio correu para o quarto.À noite quando a mãe contou ao marido o acontecido, Rafael disse:

_ Pai. Eu voltei lá. Procurei por tudo quanto é canto e nada do animal. Caio tá inventando isso. Deve tá doente das idéias.

_ Ora mulher. Ocê tanto azucrino o menino que ele deve de tá com um parafuso a menos. Amanhã mesmo vamos tirá isso a limpo.No dia seguinte Seu Chico não saiu para o trabalho como de costume. Dessa vez ficou escondido com os dois filhos no curral. Dona Iolanda tirou o leite e ficou de tocaia também. Caio saiu, olhou para todos os lados e, jarra na mão, rumou ao jequitibá. Alguns minutos depois:

_ Bichinho! Bichinho! Pode sair agora. Sou eu, Caio: Venha tomar seu leitinho pra ficar fortinho.

_ Já viu argum animal? Dona Iolanda estava impaciente.

_ Quéta mulher! Quér que ele veja a gente?

Do outro lado do jequitibá, de uma toca, saiu o amiguinho de Caio.Seu Chico ficou branco feito cêra, a voz sumiu na garganta. Com as duas mãos tapou a boca de Dona Iolanda que engoliu um grito de susto.Uma enorme cascavel ,toda avermelhada, olhos brilhantes...

_ Tá gostoso o leite? Nossa! Como você cresceu! Viu? Eu não disse que se você bebesse o leite ia ficar grande e forte? A cobra passeava pela bacia devorando o leite, sem se preocupar com a presença de Caio. O guizo estava com 7 anéis e o seu comprimento éra de dar arrepios.

_ Chico de Deus! Mata ela! Mata ela! Ela vai matar o nosso menino! Novamente Seu Chico tapou a boca de Dona Iolanda que estava prestes a ter um enfarte ali mesmo. Caio, numa atitude carinhosa, passou a mão pela cabeça do animal dizendo:

_ Bom menino, tomou tudinho. Agora vá pra sua casinha. Amanhã trago mais. Dona Iolanda havia desmaiado e os três olhavam a cena com os olhos arregalados. A cobra voltou à toca e desapareceu. Caio pegou a jarra vazia e retornou. No caminho de volta:

_ Pai, mãe, manos... O que vocês fazem aqui?

_ Pai do céu! Brigado meu Pai! Seu Chico abraçou o menino com força.Uma vez em casa começaram uma difícil conversa.

_ Vocês viram? Mãe? A senhora viu? Não é um cachorro! Caio estava com medo.

_ Eu vi, meu filho! Disse Dona Iolanda.

_Posso ficar com ele mãe?

_ Filho! Não sei o que dizer... Chico, me acode...

- Tá tudo bem Caio. Não se preocupe. Se arrume, ocê vai passiá hoje. Mulher, vá se arrumá. Não disse que ia levá o Caio no canil do Seu Joaquim hoje?Iolanda, ainda assustada, ficou muda, sem saber direito o que Chico pretendia.

_ Se avie mulher. Pense! Rafaé, Bentinho! Andem, vão ficá de tocaia no jequitibá. Não quero que o bicho fuja!

_ Papai. O que vai fazer com essa caixa de pau? Seu Chico pregava uma caixa de madeira e Caio estava curioso.

- Devorvê o sossego a nossa casa.

_ Pra quê os furos na tampa?

_ É que não sô mal agradecido...

_ Mãe. O pai tá variando...

_ Venha Caio. Temos que ír. Dona Iolanda pegou o menino pela mão.Algum tempo depois, chegaram ao canil do Sr Joaquim.

_ Dona Iolanda! A senhora por aqui! Não me diga que finalmente Caio a convenceu a comprar um cãozinho?

_ Sim. Quero ver um cão, ou melhor, dois, ou três... Quantos tiver aí...Seu Joaquim arregalou os olhos, surpreso e perguntou:

_ O que fez a senhora mudar de idéia? Dona Iolanda abraçou o filho e disse:

_ Caio me convenceu. Vai ser político esse danado! Tem uma lábia...

_Mas mãe...eu não disse nada! Nem lembrava mais do tal cãozinho...

_ Ah! Lembrava sim. Agora não vai tirar o corpo fora. Queria um cão, pois vai levar logo cinco. Ande menino, vá escolher! E lá foi o menino entre as gaiolas escolher os cinco cãezinhos.

_Deixa eu escolher logo. Vai que ela muda de idéia!

FIM



Me

Um comentário:

Anônimo disse...

Achei que já tinha comentado esta. A vodca fazendo efieto... Gostei, filhota. Vc escreve como poucos.