domingo, 7 de setembro de 2008

Paúra



Tortura é o que acontece atrás das paredes sombrias de uma delegacia...

Na teoria era isso mesmo que imaginava Dona Luiza. Um pavor doentio.

As pessoas fazem um estardalhaço sobre a profissão de policial, logo imaginam homens arbitrários vestidos de fardas exuberantes, abusando de sua autoridade e batendo com um cassetete sem dó, só para mostrar que o ditado “manda quem pode e obedece quem tem juízo” ali é lei.

-Imaginem então o policial civil: Um cara gritando feito um déspota, como se as palavras fossem ordens ditadas por um rei em seu trono.

Dona Luiza tinha verdadeiro neurose da classe e sonhava com alguém que mudasse as coisas, que fizesse com que os “homens da lei” fossem realmente da lei e que algum dia sentisse orgulho de seus uniformes.

Você deve estar se perguntando se tinha algum motivo real que a fizesse pensar assim. Não. Era apenas o trauma de tantas informações desencontradas na mídia sobre policiais corruptos, gangues de distintivos, corrupção e tantas sujeiras envolvendo a classe.

Um dia seu filho de 24 anos, Tobias, passava por um posto de gasolina de carona no carro de um amigo, quando decidiram abastecer.

-Coloca 20 paus.

-O saco! O carro é teu porra!

-To sem grana.

-Está bem, mas não acostume. Põe 20 pilas aí. Tobias gritou ao frentista enquanto descia do carro.-Vou até o escritório passar o cartão.

Um dos frentistas o acompanhou e lá dentro descobriram que o banco em questão não estava on-line.

-Porra! Que merda. Espera, vou ver se o Robson tem no cartão dele. É de outro banco.Nem saiu da sala quando entrou outro frentista anunciando:

-O teu amigo zarpou!

-O que?

-Ligou o carro e fugiu. Foi embora! Escafedeu-se!

-Não é possível! Ele deve estar brincando. Vai voltar.

-Eu espero que sim. E os R$ 20,00. Quem vai pagar?

-Fica sossegado. Eu vou tentar avisar alguém. Esqueceu que o celular estava sem crédito.-Porra! Ta sem crédito...

-Chega de balela...Ou paga ou vai preso.

-Calma companheiro. Empresta o telefone aí...Ou melhor, eu deixo meus documentos e vou em casa buscar a grana...

-Nada disso. Ou paga ou cana!Alfredo! Liga aí 190.

-Espera. Não faz isso...

Em menos de dez minutos a viatura chegou.Depois de uma conversa rápida Tobias saiu com dois policiais e partiram em busca do amigo. Na casa do amigo avistaram o carro estacionado. Não deu outra... Algemado, Robson foi conduzido à delegacia juntamente Tobias.

Quando Dona Luiza foi avisada e quase teve um ataque.

-Minha Nossa Senhora! Na delegacia! Chamou um táxi e partiu em socorro do filho.

No caminho os pensamentos eram os piores. Achava que estavam espancando Tobias e que depois de muita surra ia ser levado para a cadeia local, onde cada cela tinha uns 22 presos e pelo menos três por noite eram estuprados pelos demais. Era o que comentavam na cidade.

Sentada na sala de espera, Dona Luiza estava em bicas...Por vez ou outra ouvia um grito alucinado vindo das salas internas do prédio.Foi quando ouviu um grito assustador, parecia vindo de alguém que sofrera uma dor intensa e na sua neurose logo imaginou ser Tobias.

-Moço! Diga-me uma coisa: Estão batendo em alguém lá dentro? Os interrogatórios moço...Eles batem nas pessoas?

Antes mesmo de ouvir a resposta escutou um grito alucinado vindo de uma das salas e sentiu uma dor intensa no peito. Não viu mais nada.

-A mulher foi ter um enfarto aqui na ante sala! Que noite! Cara!

-Mas o que uma senhora fazia aqui cacete? O detetive estava curioso.

-Esperava o filho. Parece que se envolveu numa sacanagem. Um amigo aprontou com ele e agora rola um processo envolvendo os dois. Vai dar em nada, só burocracia...

-Mas a mulher morreu...

-Pois é...Ela havia me perguntado se a gente batia nos interrogatórios.Acho que se assustou com os gritos daqueles três.

-Os fugitivos?

-Sim. O delegado colocou-os naquela salinha de interrogatório e os deixou lá depois que foram recapturados. Iam tomar um chá de cadeira. Mas você conhece os caras. Ficaram berrando, gemendo, fazendo aquele escarcéu que a gente conhece bem. Ô raça! Marginais filhas da puta! Eu mesmo tirei os três de lá e levei para o presídio. Mas era tarde. Foi depois que a velha já tinha abotoado o paletó...

-Uma fatalidade...Não esquenta. Foi só mais uma fatalidade.

-Mais um plantão desses e eu é que tenho um enfarto...Espero que seja fulminante. Tenho verdadeira paúra de hospitais.

-Eu também. Prefiro morrer antes de entrar num.Dizem que são verdadeiras câmaras de tortura. Tive um vizinho que morreu numa cadeira 8 horas depois de entrar lá. Não tinha sido atendido ainda...

-Que terrorismo! Prefiro entrar lá morto.

-É, mas dizem que mesmo morto se corre o risco de roubarem teus órgãos. Um verdadeiro tráfico rola na saúde pública...Um dia ainda enquadro todos eles.

-Ah...Mas, aí eu já estarei morto mesmo, podem roubar a vontade. Difícil é enquadrar uma máfia cara, tem que provar antes...

-É. Isso é verdade...Por que não se candidata a vereador? Pode tentar melhorar isso...

-Deus me livre! Política! Um bando de aproveitadores, isso é o que são.

-É verdade. Mas você não é...Se fosse eleito bolaria um projeto para melhorar nosso hospital aqui em Rio Claro.

-Digamos que eu fosse eleito. Pobre e cheio de dívidas, ia levar um bom tempo até acertar minha vida e ter cabeça para bolar qualquer coisa....

-Ah sim! Nos primeiros meses você colocaria sua vida em dia. O salário é de 4.500 paus.

-Uns meses? Talvez....Eu acho que um ano pelo menos...Agora foi carro. Deu pau e o mecânico diz que só retífica de motor dá jeito.

-Não compensa mesmo, aquela lata velha!. Mais um motivo para se candidatar, comprar um carro novo. Depois aproveita e dá um jeito na nossa saúde pública.

-Não é o que estou dizendo? Tua idéia não é de todo má, se não fossem as más línguas, acho até que ia pensar...

-Moço. Me dá uma informação? Um rapaz interrompeu a conversa dos dois...

-Pergunta...

-Onde fica o escritório do despachante Maneco?

-Seguindo a rua até o farol. É no número 650.

-Sabe se ele ainda está no comércio de carteiras de motorista?

-Como?

-Eu sou de Cruz Alta, um bairro da roça. Meu primo comprou uma carteira dele há um ano. To querendo uma, mas sabe como é, na TV dizem que isso acabou...

-Cara! Você pode provar isso que ta dizendo? Não? Então cai fora...Ou te enquadro por difamação. Anda!

O rapaz saiu em disparada pela rua.

-Cada uma...Depois ainda dizem que policial é bruto. Ouvindo uma dessa dá uma vontade de socar o indivíduo.

-Ora. Nós dois sabemos que ele falava a verdade. Até sabemos que rola uma propina aqui pelo DP.

-Sim, mas...Precisa dizer isso aqui? Um desrespeito com a gente.Cada um que me aparece!

-Deixa disso. O rapaz era da zona rural...

-É verdade. Coitado! Dizem que o pessoal da roça tem um QI super baixo. Deve ser o contato com a terra...

-Que nada...É falta de estudo mesmo. Bom o papo ta bom, mas tenho que ir. Fui chamado na escola do Paulinho. Parece que colou na prova e foi pego.

-Que coisa chata!

-Pois é meu...Fazer o que. Eu trabalho tanto que esqueço de dar conselhos pros meninos.

-Que nada. É falta de experiência mesmo. Com o tempo ele aprende a colar direito...

-É verdade...


Me Morte
(lembranças do Detetive Escopeta)

Nenhum comentário: