domingo, 2 de março de 2008

MARIA DOS BICHOS



Maria dos Bichos, esse era o nome com o qual ficou conhecida Maria Auxiliadora dos Santos, na cidade de Mirandópolis, interior de São Paulo, pelo fato de ter a mania de recolher animais abandonados à sua casa. Ela tinha mais de 30 gatos e umas duas dúzias de cães, todos bem alimentados e abalando geral a rotina dos vizinhos que, irritados com o cheiro e barulho, haviam feito um abaixo assinado às autoridades locais.
O que ninguém sabia é que um animal misterioso vivia no tapete da sala da casa da anciã, e que daria algum transtorno em breve se não tomassem providencias para a sua retirada para um lugar mais apropriado. Era uma onça que Maria havia encontrado em um de seus passeios pela reserva florestal. O animalzinho estava só e permaneceu ao lado de dona Maria durante uma tarde toda, enquanto fazia um pic nic à beira do riacho. A mulher julgou que o filhote tivesse sido abandonado pela mãe e decidiu levá-lo com ela até que ficasse mais velho e pudesse se defender sozinho. Mas dona Maria não contava com a afeição que se solidificava a cada dia entre os dois, mulher e animal, a ponto do bichano dormir aos pés da mulher no tapete do quarto.
A onça era alimentada com restos de comida e leite, a mulher não queria dar carne com receio de que o animal comesse seus cães e gatos, o que seria lastimável para seu grande coração, sempre aberto aos mais necessitados bichanos. Mas com o passar do tempo os animais iam desaparecendo, o que deixava dona Maria muito intrigada. Sabe aquela história de “mãe que se faz de cega” para não ter que admitir que seu filho fez uma coisa errada? Era mais ou menos assim. E também o medo de assumir que o lugar do animal era na floresta, aprendendo a caçar para sobreviver.
Um dia, quando foi alimentar os cães, viu o pior: A onça terminava de se alimentar com o vira-lata marrom que a mulher recolhera no dia anterior. Na boca ainda tinha um pedaço do rabo e no chão alguns ossos miúdos.
Chorou uma tarde toda e decidiu pedir ajuda.
Levaram Gigante, esse era o nome que dona Maria dera ao animal, para um zoológico, para uma fase de adaptação, tinham que ensiná-lo a caçar para que dali alguns dias fosse solto novamente à natureza.
Dona Maria ia regularmente visitá-lo e isso aborrecia o veterinário.
__Como a senhora quer que ele seja selvagem se vem todo dia agradá-lo como se fosse um ser domesticado?
__É difícil moço. Ele é como um filho. Ele deve se sentir abandonado pela segunda vez.
__Ele não pensa dona Maria. É irracional. Fica tranqüila.
Ela chegava perto da jaula e acarinhava a onça que já estava enorme. A onça esticava os dois braços e abraçava dona Maria. Ficavam assim até que o animal soltasse e a mulher ia embora chorando.
__Cara... Eu to vendo o dia que essa onça vai arrancar o pescoço fora dessa mulher. Você viu as garras? O tratador dizia isso toda vez que presenciava a cena.
__Eu vou dar um basta nisso. Vamos soltar ele na sexta-feira. Ele já caça, vai se sair bem. Vou avisar dona Maria a acabamos logo com isso.
Na sexta-feira, como combinado, foram de camionete até a reserva, Dona Maria, que se recusou terminantemente a não participar do desfecho, o Veterinário e um guarda florestal.
Lá chegando desceram e quando o guarda ia abrir a porta para a onça sair...
__Eu faço isso. Disse a anciã. Assim me despeço dela.
Abriu a porta da camionete onde estava a onça e ela saiu com dona Maria, como se fosse a coisa mais natural do mundo... Andaram alguns metros e o guarda disse:
__Venha Dona Maria. Deixe-a aí e venha.
__Não. Eu vou acompanhá-la até o rio onde a encontrei. Podem ir, estou segura, ela gosta de mim esqueceu?
Disse isso e entrou na mata sem dar chance de responderam.
Dona Maria nunca mais foi vista.
Alguns caçadores dizem que seus ossos foram encontrados num local e tinham sido devorados por uma família de onças. Outros que a noite na reserva viam uma mulher andando com uma onça ao lado, mas saiam correndo achando que era assombração.
Alguns índios, provavelmente sob o efeito de ervas alucinógenas, diziam ter visto dona Maria à beira do riacho, sendo engolida por uma Anaconda.
Enfim, virou lenda, nunca mais foi vista na cidade.

Como eu sei que os índios estavam sob o efeito de ervas?
Ora, você já viu Anaconda em São Paulo?


Me Morte

Um comentário:

Angela Nadjaberg Ceschim Oiticica disse...

Muito bom, este conto! Gostei. Tem um toque de ecologia e também a figura solitária de Dna Maria, que termina virando lenda ao lado da onça.

Ótimo!