quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Homenagem da Me Morte ao dia das Crianças


-Tio! Dá um trocado...
-Sai pra lá pivete. Ta sujando meu carro.
-Compra um chiclete...
-Sai daqui. Fecha os vidros e diz à esposa:-Caralho! Vai me assaltar...O sinal abre e ele avança em disparada.
Mais tarde em casa:
-Mãe, o que tem pra comer?
-Angu com farinha.
-De novo? Não tem um ovo?
-Não. O último reparti pros seus irmãos. Apontou para três crianças de um, dois e três anos de idade.
-Onde vai garoto?
-Achar comida.
-Essa hora? Vai dormir que a fome passa.
Bateu a porta e foi pro morro.
-Seu Jair? Seu Jair?
-Calma aí fedelho. Onde pensa que vai?
-Quero falar com Seu Jair.
-O Já é um cara ocupado. O que quer com ele?
Não vá me dizer que precisa de pó? Já?
-Nada disso. Ele me ofereceu emprego. Coisa limpa.
-Hahaha...É isso então. Mas é um trabalho de responsa, sabe disso?
-Sei sim. Tenho que levar uns bagulhos e entregar nos endereços. Eu me cuido.
-Muito bem. Vou fazer um teste. Leve isso pro Gilmar Caçapa. Lá no morro.
-Quem?
-Só perguntar pro sentinela. Diga que foi Seu Jair que mandou. Ele vai te dar um pacote em troca. Traga aqui rápido. Se fizer direito o emprego é seu.
-Mas...E o Seu Jair?
-Vai logo fedelho. Eu sou o secretário dele. Se fizer direito vai levar uma boa grana hoje ainda.
-A fome ta me comendo os bagos. Da aqui. Vou sim
Levou a encomenda e entregou ao seu dono. Recebeu um pacote e decidiu dar uma espiada, era dinheiro vivo.
-Nossa Senhora da Guadalupe! Pacoteira de dinheiro sô.
Foi pra casa e foi gritando:
-Mãe! Corre!
-Que foi menino?
-Olhe isso aqui?
-Meu Deus do céu! Onde pegou isso filho duma égua? Eu não ensinei você a ser honesto?
-Eu não roubei mãe. Contou a mãe o ocorrido.
-Praga de moleque! Por conta da fome virou aviãozinho? Sabe qual é o fim disso?
-Sei sim mãe...

Dois meses depois...

-Ara que nossa horta ta ficando uma belezura!
-Verdade filho. Eu nem acredito que compramos nossa terrinha. E ainda mais aqui em Orós, minha terra natal. Já posso morrer feliz.
-Não fale de morte mãe. Vamos viver muito ainda. E com muito ovo na geladeira.
-Eita menino pra gostar de ovo, parece gambá!
-Eu gosto é de não sentir fome mãe, é disso que eu gosto.


( minha homenagem a todas as crianças que crescem mais cedo, que sofrem abusos, que trabalham pra ajudar a família e que são humilhadas por aí.

Me
(foto de J.Pedro Martins)

2 comentários:

Unknown disse...

Minha querida ME,
como dói ter que escrever e ler poemas assim, é nossa realidade brasileira sangrada em poesia.
Muito belo e triste!


beijossss

Anônimo disse...

Esse blog ta mortinho, falta só enterrar, igualzinho a dona,
eu sabia que ia ver esse dia,

-socorro! meu herói! giginho!

- vá se ferrar biscate!


kkkkkk